quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Carta-convite


Cara amiga Felicidade,

Escrevo com a singela intenção de reencontrá-la em muito breve.  Por favor, faça-me uma visita, ainda que rápida. Precisamos colocar a prosa em dia. Se possível, traga também sua vizinha Esperança. Lembro-me com saudades de nosso último encontro, tão profícuo e divertido...
Em verdade, meu convite é um pedido de socorro disfarçado de cortesia. Faz alguns meses, a inspetora Reflexão se dispôs a vasculhar o pequenino lar de minha consciência. No começo, sua presença me conduzia a um necessário, quase sempre negligenciado, recolhimento. Questionava-me, me punha a silenciar e, em seguida, a imaginar como tudo ficaria se de outro modo eu organizasse a casa.
Depois, ah, depois tudo ganhou ares de desconforto. Aquele pretendente dela, o Pessimismo, vive a rondar o quintal, sempre aos cochichos com a Depressão, a Tristeza e ainda com aquele mau elemento, vulgarmente conhecido por Medo. A Raiva está em campana nas proximidades. Acho, em verdade, que é ela quem prepara o terreno para os demais.
Resolvi reagir e conversei com a Reflexão. Agradeci profundamente pelos momentos de autoconhecimento, de convite ao silêncio, de avaliação sobre o ambiente dos sentimentos e ações. Depois, ousei aconselhá-la a visitar outras consciências, certamente tão necessitadas de auxílio quanto a minha naqueles primeiros encontros. Ela se mostrou orgulhosa por ter sido tão útil, mas se recusou a partir, por medida preventiva, já inteirada de toda má vizinhança que se estabelecera nos últimos tempos.
Decidi então dedicar esforços sobre outros campos. Fui até a Filosofia. Ficamos bem amigas do conhecimento, mas também ela se pôs a me questionar, deixando claro não haver resposta satisfatória para nenhuma pergunta, alimentando, como efeito colateral, um interesse insaciável pela Dúvida. Foi nesse instante que a Arte se aproximou de nós. Vendo minha condição, me ofereceu doses de Bergman, Chopin e Picasso. Agradeci, mas declinei da oferta. Fui indelicada a ponto de pedir Bach, Frank Capra, Cecília Meireles, Canção de ninar na voz de Maria Betânia e as cores de Van Gogh.
Voltei. Creio que a má vizinha não aprecie esses gostos artísticos. Talvez desistam de mim por descontentamento com os novos hábitos de consumo. Mas estou bem certa de que com vocês, Felicidade e Esperança, estarei pronta para me proteger dos riscos dessa vida para quem não desiste do Amor. Venham na certeza de que serão bem recebidas. Tragam malas fartas de Vivaldi, Monet, Valdelice Pinheiro e filmes clássicos de histórias de amor.
Com amizade,
Aline

2 comentários:

  1. Lininha, é tão bom ver como você sabe lidar com os sentimentos/emoções... E se você vier me dizer que nao sabe, vou responder que, se nao sabe, engana bem!
    Bjoooo

    ResponderExcluir
  2. Eu engano bem... Em verdade, quando os sentimentos estão de picula é que eu escrevo. Assim eles se acalmam e tudo fica bem. Fico muito feliz que você goste! Beijo

    ResponderExcluir