Foi em 2001 que eu li pela primeira vez um poema de Valdelice Pinheiro. Estava na camiseta de um amigo, filósofo e ateu. Fiquei estupefata com a combinação de tamanha força, naturalidade com que falava em amor, morte e vida.
Foi em 2005 que li pela primeira vez um poema de Adélia Prado. Escolhia um livro para presentear a outro amigo, filósofo e seminarista. Me encantei com o olhar pueril, com descrições tão singelas do contato com o amor, a morte e o desejo.
Valdelice é puro impacto. Canta o homem rude, a vida campestre, a criação, a infância e a natureza.
Adélia escreve com olhos de descoberta, velados pela religiosidade, pelo desejo contido que vez ou outra se transparece, se faz vida cotidiana.
Ambas tem ludicidade no poetizar a vida cotidiana.
A primeira é baiana, de Itabuna. A segunda é mineira, de Divinópolis. E pra não deixar de pôr as duas terras em diálogo, hoje, ouso aproximá-las.
Espantalho Espantalho eu sei que sou. Mas os meus braços, abertos em cruz e mesmo que de palha e vento se sustentem, não querem o espanto, a distância do pássaro. Meus braços buscam na última agonia de um amor sem jeito, imaginar-se planta, conceber-se galho, desejar-se fruto. Poema de amor para um antigo amado Atravesso o morno espaço de teu corpo, cumpro a distância ligeira de teus passos e me componho e me acho e me refaço e chego na doçura infinita de teus braços Pitangas Um orvalho na folha, uma abelha, um todo de flores como se fossem estrelas, como se fossem luz... um sonho próximo, próximas pitangas. E em minhas mãos, do parto branco desta primavera como quem reza e canta, esse som vermelho e doce que se toca e come. Valdelice Pinheiro | Morte morreu Quando o ano acinzenta-se em agosto e chove sobre árvores que mesmo antes das chuvas já reverdeceram da mesma estação levantam-se nossos mortos queridos e os passarinhos que ainda vão nascer. “Ó morte, onde está tua vitória?” Eh tempo bom, diz meu pai. A mãe acalma-se tomam-se as providências sensatas. todos pra janela, espiar as goteiras: “Chuva choveu, goteira pingou Pergunta ao papudo se o papo molhou” Pergunta a menina se a vida acabou. Pranto para comover Jonathan Os diamantes são indestrutíveis? Mais é o meu amor. O mar é imenso? Meu amor é maior, mais belo sem ornamentos do que um campo de flores. mais triste do que a morte, mais desesperançado do que a onda batendo no rochedo. Ama e nem sabe mais que ama. A bela adormecida Estou alegre e o motivo beira secretamente à humilhação, porque aos 50 anos não posso mais fazer curso de dança, escolher profissão, aprender a nadar como se deve. No entanto, não sei se é por causa das águas, deste ar que desentoca do chão as formigas aladas, ou se é por causa dele que volta e põe tudo arcaico como a matéria da alma, se você vai ao pasto, se você olha o céu, aquelas frutinhas travosas, aquela estrelinha nova, sabe que nada mudou. O pai está vivo e tosse, a mãe pragueja sem raiva na cozinha. Assim que escurecer vou namorar. Que mundo ordenado e bom! Namorar quem? Minha alma nasceu desposada com um marido invisível. Quando ele fala roreja, quando ele vem eu sei, Porque as hastes se inclinam. Eu fico tão atenta que adormeço a cada ano mais. Sob juramento lhes digo: tenho 18 anos. Incompletos. Adélia Prado |
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