quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Primeiras palavras sobre o mochilão

Certa vez, fiz uma viagem que eu desejava há muuuito tempo. Mas trabalhei sete vezes mais do que o planejado. Como sempre, consegui passear, mas ficou aquele gostinho de fazer uma viagem inteira só a passeio, já que eu estava há muitos anos sem férias de verdade. Pensei: posso voltar a Rio Branco e esticar até Machu Picchu. Depois pensei um pouco mais... Eu queria ir à Bolívia também. Então eu vi as fotos da filha de uma amiga mochilando pela Europa. E ouvi histórias de mochilagem com a super amiga com quem tenho a honra de dividir um apê. Falei com vó e, com o surpreendente apoio e respeito dela, comprei uma passagem para La Paz. E tinha uma conexão em Santiago. Melhor impossível! Ao menos até aqui.

Eu acho que nunca entrei na sala de aula tão radiante na vida como na manhã do dia seguinte. Eu me sentia a pessoa mais corajosa e cheia de energia do mundo. E a mais indecisa também, afinal, valia a pena conhecer o Chile, ainda mais com o tanto de amigos que eu tenho por lá... Como boa geminiana, a dúvida me corroeu até o último minuto. Eu achava que, aos 32 anos, eu não teria forças para curtir uma viagem tão longa de busão. Mas se não fosse aos 32, seria quando mesmo? Como eu dizia, a dúvida me corroeu até o último minuto, mesmo, pra valer. Acordei em Santiago e olhei para o ticket. Olhei para o relógio, olhei pela janela. Então decidi ficar lá. Era pra ser só 13 horas, uma noite e uma manhã, o tempo de uma conexão, mas eu fiquei uma semana inteira na cidade mais romântica, ecológica e saudável que conheço. Foi muito difícil desapegar de Santiago. Prometo contar mais sobre isso em outro post. Aqui vão só as primeiras emoções de viajar só.

Para começo de conversa, eu não acreditava que eu fosse capaz de me divertir e “administrar” uma viagem tão longa, principalmente porque eu tenho esses revezes típicos de uma boa vata. Eu não queria reservar hospedagem antes de partir porque eu não tinha a menor ideia de quanto tempo eu ia querer passar em cada cidade. Eu só sabia que não queria ficar mais do que doze horas em um ônibus. Então eu escolhi, minimamente, as cidades que queria conhecer. Nada de metrópole, mas também nada que não tivesse história para contar. Porque muito mais vive o homem de suas histórias do que de pão ou coisa do tipo.

Era verão, mas em cidades de geografia montanhosa eu não tinha garantias de clima quente ou frio. Levei as minhas blusas mais velhas, minha calça jeans mais confortável, uma calça de esporte, daquelas folgadinhas, uns shortinhos e algumas novidades (leves, compactas, novas e fáceis de secar) para o frio: uma calça térmica que funciona como legging, um fleece, uma blusa de manga longa, uma segunda pele, ou seja, duas mudas de roupa apenas. Quem leva muita coisa não traz nada, porque não há coluna sedentária que aguente!

Pelo caminho, muitas pessoas perguntavam “Estás solita?”, “Por qué estás solita?”, “No tienes miedo de viajar solita?”, “Para que te vas a viajar sola, para se perder en el mundo?”. Eu sempre respondia com toda a serenidade do mundo: viajo sola porque soy solita, pero no me pierdo, tiengo Diós a guiarme... tiengo más miedo que quedarme solita em mi casa em mis vacaciones... Não sei se pareci grosseira, mas isso saía de meu coração, do meio das verdades mais profundas e preciosas que carrego comigo.

E, em verdade, foi até um pouco difícil ficar sozinha nessa viagem. Há muitas pessoas nessa rota. A maioria prefere descer a América do Sul, mas sempre há algumas a subir. E quer saber, não importa até onde a rota delas coincide com a que traçamos. Qualquer bom encontro já é um alimento para alma. Mas não se vive bons encontros do nada, em qualquer esquina ou mesa de restaurante de rodoviária. É preciso vibrar na nossa frequência mais sincera e feliz para atrair as pessoas que podem nos fazer crescer. Me abri para fazer amigos. Sentei em mesa de quem eu tinha acabado de ver na vida. Proseei com gente que estava ao meu lado no ônibus por horas seguidas: adultos, crianças, brasileiros até! Mesmo com toda timidez e dificuldade de compartilhar com muitas pessoas ao mesmo tempo, consegui conhecer muitas pessoas. Consegui fazer amigos de bom coração a quem jamais esquecerei. Aprendi coisas que nem imaginava estar na agenda das mudanças necessárias no meu jeito de sentir e (re)agir. 

Percorri cerca de 17.900 km. Se bobear, isso é tanto quanto aquilo que alguns de meus tios caminhoneiros já percorreram na vida! E não, não é preciso coragem para essa parte operacional. Basta comprar um bilhete, entrar no ônibus e você vai acordar em outra cidade. O que carece de boa vontade, pertinácia e cautela é a parte que está além da viagem pelo mundo de pedra, água, ar e vida, afinal, também se viaja no mundo interior. A vida das pessoas que ficam e que passam modifica a nossa vida, sobretudo porque nos faz ter mais humildade, mais capacidade de resolver problemas, mais flexibilidade de visão para inventar e experimentar novas atitudes. Vale destacar isso com todas as cores e post-its do mundo: fora de casa não vale repetir as atitudes que se enraizaram na tal zona de conforto! Fora de casa tem que ser criativo, tem que se permitir usar o tempo de outra maneira – e falamos de outro tempo, o tempo das férias, que é kairós, é lentidão e reflexão; aqui temos tempo para nós e somos tempo para o outro. Ouvir a experiências do outro e beber da fonte de novas ideias que atravessam continentes, oceanos, é um exercício de força e coragem. Sim, é preciso coragem para torcer o nariz para o conforto nosso de cada dia. Fiquei sem banho algumas vezes, mas e daí, se eu vi, ouvi e senti tantas coisas que não me sensibilizariam se eu fizesse tudo sempre igual, tudo sempre certinho?

Viajar é escrever a rotina com outro tipo de lápis. E ter borracha e apontador do vizinho sempre que necessitar. E não necessitar deles em algumas horas também. E ganhar palavras e cores novas de onde nem se imagina. Então eu colori esse mapa para vocês. Ficou com cara de gigante, não foi? Os trechos em vermelho foram percorridos por ar; os azuis, por terra; os marrons, a pé. Se servir de inspiração para você, já serei feliz por hoje!





4 comentários:

  1. Que experiência sensacional Aline...uma viagem assim traz vida, alegria! Por ser criada por você e vivida de acordo ao que surgia trouxe, certamente, oportunidades e sentimentos incríveis. Bom demais! Adorei seu texto.

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  2. Uau!!!
    Eu acompanhei em tempo real via facebook, e estou ansiosa por todos os relatos ao vivo e a cores (HOJE!!!) e escritos (para voltar sempre).
    Você é uma inspiração, sempre!!!
    Bjoooo

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  3. Eu fico profundamente feliz com suas palavras, meninas! Vamos nos inspirando e compartilhando nossas vivências sempre!

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  4. Eita, Baia corajosa!!!
    Tem muito a transmitir as pessoas as experiencias!
    Parabéns!

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