Não por acaso, lembrei-me de um poema de Jorge Luis Borges, que meu amigo "quase diácono" me apresentou. Há tempos me aproveito de sua biblioteca - pessoal e do seminário - e muito mais de sua videoteca. Talvez esteja em tempo de eu me aventurar com mais intensidade pela obra de Borges... Por enquanto, fica o poema que ele me pediu para recitar: "o ameaçado".
"é o amor. terei de me esconder ou fugir.
crescem as paredes de seu cárcere, como em um sonho atroz. a bela máscara mudou, mas como sempre é a única. de que me servirão meus talismãs: o exercício das letras, a vaga erudição, o aprendizado das palavras que usou o vago norte para cantar seus mares e suas espadas, a serena amizade, as galerias da biblioteca, as coisas comuns, os hábitos, o jovem amor de minha mãe, a sombra militar de meus mortos, a noite intemporal, o gosto dos sonho?
estar contigo ou não é a medida do meu tempo.
o cântaro já se quebra sobre a fonte, já se levanta o homem à voz da ave, já escureceram os que olham pelas janelas, mas a sombra não trouxe a paz.
é, eu sei, é o amor: a ansiedade e o alívio de ouvir tua voz, a espera e a memória, o horror de viver o sucessivo.
é o amor com suas mitologias, com suas pequenas magias inúteis.
há uma esquina pela qual não me atrevo a passar.
agora os exércitos me cercam, as hordas.
(este quarto é irreal; ela não o viu.)
o nome de uma mulher me delata.
doí-me uma mulher por todo o corpo".
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