segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Constelei


Deixa eu contar pra vocês uma experiência sem precedentes que vivi nesse fim de semana de 15 e 16 de outubro. Mas se prepare pra um texto que me expõe um pouco mais, tá? É que não posso falar sobre a Contelação familiar sem explicar o tamanho do problema e do benefício.

A primeira vez que ouvi falar em Constelação familiar, eu nem dei a mínima. Foi numa seção de acupuntura e o profissional desabafou os porquês de proibir essa experiência no espaço que ele e a esposa criaram. Como ele só relatou os riscos, então eu sequer registrei a possibilidade de algum dia procurar essa terapia. Mas não demorou pra outra pessoa em quem eu super confio tocar nesse assunto. Ela me disse: “É maravilhoso. Você conta o acontecimento que te marcou, voluntários representam o fato e aí... vai constelando... Todos os envolvidos no trauma vão sentir os efeitos, mesmo à distância, mesmo sem saber”. Ouvi atenta, curiosa até, mas confesso que ainda não conseguia botar fé naquilo. Então eu iria contar sobre os ocorridos dolorosos de família pra um grupo e pessoas aleatórias fariam um trabalho cênico e aí meus traumas se dissolveriam no tempo? Foi difícil de me imaginar nesse trabalho.

Mas eu não me esqueci daquele conselho. Na segunda oportunidade que tive de visitar São Paulo, coloquei essa busca na lista. E foi de surpresa que essa viagem aconteceu: eu não poderia dar aulas na pós da Ufob por conta do pé convalescente, então poderia fazer algo mais suave durante as semanas seguintes, que seriam de recesso acadêmico. Escolhi participar de um curso de efeitos visuais com um grande profissional de Hollywood, à noite; os dias seriam dedicados às correções da tese e à fisioterapia. Me restava um fim de semana livre depois do curso, pois as passagens aéreas ficam mais em conta nas segundas-feiras. E nesse fim de semana haveria um workshop de Constelação familiar. Tudo conspirou pra dar certo. Quase tudo. Demorei pra confirmar, afinal essas experiências muito profundas assustam um pouco. O jeito foi entrar na lista de espera. E na véspera, uma pessoa desistiu. Aí, sim, foi conspiração astral!

Cheguei ao Instituto Mario Koziner em cima da hora e logo que entrei no salão meu coração disparou, me emocionei e senti muita vontade de chorar. Assim mesmo, do nada, eu queria chorar. Só passou quando Mário entrou no salão e se posicionou na roda.  Ele é argentino, médico psiquiatra. Quando todos silenciaram, ele apresentou o trabalho: todos somos filhos, então estamos integrados a um sistema. Podemos observar esse sistema como se fosse um tecido. Na trama do tecido, os fios podem estar em harmonia, mas também podem sofrer choques que levam a emaranhados, resultando em desarmonia. O trabalho de Constelação familiar, criado pelo alemão Bert Hellinger, parte do princípio de que todas as relações são amor em movimento, tudo que flui é amor. Esse amor pode levar à felicidade, mas também pode levar à dor. Corrigir o fluxo que, por conta de algum emaranhado, levou a pessoa à dor é uma das potências da Constelação familiar. Então tudo depende de saber por onde o amor flui e assim buscar a harmonia.

Mario também explicou que a Constelação familiar trabalha em três ordens. Existe a ordem do pertencimento, que reza que todos pertencemos a algum sistema. Se há alguma exclusão, por exemplo, o sistema se mostra em desarmonia. É necessário incluir o que está de fora para que o amor possa fluir bem. Existe a ordem da hierarquia, na qual cada membro do sistema tem sua própria carga. Se algum membro transmite sua carga para outro, ele se enfraquece e o outro padece. Se essa carga é devolvida à origem, o membro se fortalece e o outro recebe a força que precisa para se alinhar ao sistema e seguir rumo às suas buscas na vida. Esta é também a terceira ordem, a ordem do dar e receber. Nas famílias, tem que haver circularidade de energias e isso se refere à carga de cada um. É necessário devolver a carga e receber a força, deixar com o outro o que é do outro e seguirmos apenas com o que nos pertence, pois é assim que superamos o emaranhado e seguirmos para o que desejamos. Ter a força familiar é estar livre.

Então eu fiquei atenta, copiei tudinho e pedi muito a Deus que me permitisse encontrar redenção.

Eu nunca tinha assistido a nada tão emocionante na minha vida. A pessoa relata sucintamente o que a aflige e alguns voluntários entram em conexão com o constelador (o paciente, digamos assim). As energias guiam os representantes e o sistema se abre, mostra a raiz do problema, ajuda a o constelador a compreender cada parte envolvida e pode até apresentar uma imagem com a solução do problema. E tem perdão, tem reconciliação, tem paz e leveza. Me identifiquei com muitos casos anteriores ao meu e já sentia que alguns nós internos, nós emocionais, se desfaziam ali mesmo. Sentia muita emoção. E muita fome. Esse negócio de passar da dor à paz dá muita fome. Me explicaram que é porque consome muita energia. Mas o lanche garantia a reposição J

Ao final da tarde do primeiro dia, chegou a minha vez de constelar. Fui certeira ao ponto. Quero constelar o problema do abandono na minha vida. O abandono paterno, materno, os muitos abandonos afetivos e o abandono reverso (eu desistia dos projetos, dos empregos, das amizades e das cidades antes que elas desistissem de mim). Quero conseguir amar as pessoas que não conseguiram participar de minha caminhada e deixar de cultivar espaços para o abandono na minha vida. Enfim, meu propósito era me sentir, afinal, integrada a um sistema. Para isso, eu precisava romper as barreiras da superficialidade nas relações e encontrar recursos para construir relações profundas, duradouras. Era só isso que eu queria.

Mas isso é muita coisa pra uma constelação só. Tive que me contentar com o recorte da questão materna. E olhe que foi coisa, viu? Eu não podia imaginar que a raiz desse problema estaria em incontáveis gerações anteriores de mulheres da minha família. Todas, em alguma medida, de maneiras diferentes, foram impedidas de amar suas descendentes. A explicação é que, em algum momento, duas mulheres da família entraram em conflito e a carga dessa rejeição foi transmitida para as mulheres que vieram depois. De maneira inconsciente, esse peso se manifestava: uma filha sentia medo da mãe, a outra sentia indiferença, a outra sentia rejeição. Quando o arquétipo da origem do problema se reconciliou e a carga negativa foi devolvida à fonte do problema, todas as demais gerações puderam se libertar. Fui considerada como uma pessoa de coragem por levar paz e força a todas as minhas ancestrais. Com a força delas, pude caminhar para a profundidade, me sentindo, nas palavras de meu representante, “pronta para a vida”.

Eu não tenho palavras para descrever o quanto me emocionei com essa experiência. Eu saí do instituto me sentindo como alguém que renasceu para o mundo. Fui para o centro da cidade e, para minha enorme surpresa, me peguei caminhando pela Avenida Paulista de um jeito diferente. Tinha plena consciência de meus pés, de meu quadril, tinha os ombros leves e olhava nos olhos das outras pessoas. Eu não tinha na memória o registro de como era andar de cabeça erguida. E te digo que isso é efeito do grande orgulho que agora sinto de minhas antepassadas. Nosso clã é bonito e está em harmonia.

Acredito que até o problema de menopausa precoce possa ser revertido. Não rejeitamos mais nossa descendência. Temos força e amor para transmitir aos filhos que virão. E estou, sim, preparada para viver em família: a que já tenho e a que desejo construir.

E se existe um conselho que eu sempre vou oferecer a quem me confiar conflitos familiares é que busque pela experiência da Constelação familiar. Porque para mim, foi como um divisor de tempos: a.C. e d.C., ou seja, antes da Constelação e depois da Constelação.


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