sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Os “qui-fazê dos antigos” - parte I

Fui criada pela minha avó e tive o privilégio de vivenciar de perto uma parcela fantástica dos saberes e fazeres dos mais velhos. Fui educada por adágios, sendo mais comuns as duas aplicações “não brinca de bicicleta perto da pista que os carros podem te pegar: quem avisa, amigo é!” e “se não passar de ano, vai ficar de castigo: quem não ouve conselho, ouve coitado!”.
Aprendi a gostar de bordado ponto cruz, costura na máquina de pedal, pintura à mão de panos de pratos, lençóis, jogos para banheiro. Só não dei conta de aprender o crochê, que é arte para entendidos com ela!
O lanche da tarde lá em casa tinha o iogurte que ela preparava com o leite que o leiteiro deixava na varanda, bem cedinho. E tinha bolo de refrigerante fanta, mas era fanta de mentira: a receita levara era cenoura com laranja e raspas de limão. Mais saudável impossível! No colégio, administrado por freiras, eu era a única que recheava a merendeira com biscoitos caseiros e suco de fruta.
Minha avó curava as minhas gripes com chás de ervas cultivadas no quintal e, quando eu me machucava (sempre!), ela vinha com um pote de pomada feita com cera de abelhas e folhas de arnica, que ela e as amigas da pastoral da criança fabricavam no salão posterior da igreja. Se o problema fosse mais grave, ela me levava na rezadeira e a febre ia embora “pra maré de vazante”. Férias eram sinônimo de visita a um dos seis tios, espalhados em cidades de Rondônia ou no interior de Minas, onde ela aproveitava para aprender um novo jeito artesanal de resolver as demandas do cotidiano.
Foi assim que eu me apaixonei pelos conhecimentos tradicionais: vivenciando-os em forma de afeto. Houve um dia em que telefonei pra minha avó e disse: Vó, eu ganhei um bloco de anotações e comecei a escrever nele os seus ditados. Já tenho 98 adágios reunidos! E ela me disse: “ah, isso é saber dos antigos, que eu aprendi com minha mãe. Vai procurar um qui-fazê em vez de ficar anotando essas coisas!”.
Desculpa, Vó, mas o que eu gosto de fazer é estudar os qui-fazê dos antigos mesmo!

Um comentário:

  1. O saeu lanche da tarde, foi muitas vezes compartilhado comigo amiga!
    Mayanna

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