Dia de domingo, vó buscava um saco de sementes de cacau que ela pendurava numa parede dos fundos, onde batia muito sol à tarde. Despejava uma pequena porção delas numa panela torradeira. Depois punha meu primo Marcelo e eu para descascar as danadas ainda quentes, pelando a ponta dos dedos. Se esfriava, ficava difícil de romper a casca e ele falava: “Vó, torra mais um pouco que já esfriou”. Ela ria e esquentava de novo. Depois disso, chamava o nosso tio e pedia pra moer as sementes no moedor de ferro antigo, daqueles que gemem baixinho quando a gente enche de cacau e gira a manivela. Em Minas, esse moedor serve para moer milho verde pra fazer angu.
O resultado era escuro, perfumoso e amargo. Se o cacau fosse novo, digo, se estivesse secando ao sol há apenas dois ou três meses, do moedor ele saía como uma manteiga, rico em gordura vegetal que faz bem ao coração; se o cacau fosse mais velho, saía como uma farofa úmida.
Ela punha essa pasta de cacau num caldeirãozinho, juntava açúcar e leite e cozinhava por uma hora perfumando a rua inteira! E tinha que mexer com colher de pau comprida de vez em quando, tendo cuidado para não ser atingida por um respingo ou outro de chocolate quente. Ver se estava no ponto era a melhor parte: eu pegava uma caneca com água do filtro de barro, fresquinha, e ela pingava um pouco do chocolate dentro. Daí podia pegar com o polegar e o indicador pra ver se endurecia. Depois podia comer aquela porção, que derretia na boca e invadia o paladar com o melhor sabor (doce, porque salgado é acarajé e não tem jeito!) do mundo.
Se já estivesse no ponto, era correr com um tabuleiro untado, despejar, raspando bem a panela, cortar os tabletinhos.
Depois que meu primo foi embora pra marinha, ela se cansou e passou muitos anos sem fazer o chocolate caseiro pra gente. Tive que fazer sozinha a parte da escolha das sementes, da torra, do livrar as sementes das cascas e moer no moedor de ferro, para ela se convencer a me dar a receita e terminar de fazer o doce comigo. Daí em diante, todo domingo eu fazia chocolate em casa; depois fazia pra vender na faculdade e aqui em Minas, faço vez ou outra, para matar as saudades da terrinha, da Vó. E para alegrar os amigos mineiros nas típicas confraternizações à mesa.
Agora entendo o seu entusiasmo e a propriedade com que sempre tratou o tema, tanto no livro Esteja a Gosto, como no documentário Expressões Culturais, Cultura e Turismo da Região Sul Baiana. É isso aí, Aline. Quem sabe os retalhos da memória, de blog, virarão livro?
ResponderExcluirA Rose tinha falado do cacau. Amo demais essas memórias meio gastronômicas. Acho que sinto com o estômago.
ResponderExcluirRepito o que disse na sua despedida: que pena que foi só no último dia.
Um Abraço
Norma