domingo, 15 de setembro de 2013

Lições sobre a leveza

Não faz muito tempo, precisei de ajuda para cuidar de alguns – em verdade muitos – nódulos de tensão na região do pescoço e ombros. Não raro, ouvia que isso era reflexo da tentativa de “carregar o mundo nas costas”. Eu, cabeça dura que sou, me opunha, julgando que minha vida era até bem tranquila.
Entretanto, faz cinco meses que me encontro longe da quiropraxia combinada à massoterapia e muito, mas muito perto da filosofia. Aos poucos, fui compreendendo que o peso que eu carregava de fato era intenso, pois habitava os porões de uma formação rígida, auto exigente, pouco questionadora. Foi o start para uma série de "booms estéticos" sobre a leveza, todos vivenciados no cotidiano, ao inesperado. Imagino que seja delicado compartilhá-los, mas eu gostaria de colocá-los, minimamente, apenas para fazer pensar.

O primeiro deles está ainda relacionado aos tais nódulos de tensão. Era preciso fortalecer a musculatura e eu tentei fazê-lo pela arte. Ainda que sem muita noção dos riscos, decidi conhecer o tecido acrobático. A professora parecia levitar no alto do tecido, tamanho conforto emotivo transparecia a cada movimento. Aquela leveza, no entanto, só seria alcançada com muito esforço físico e coragem, ou seja, era necessário ter força, equilíbrio, segurança, impermeabilidade ao medo de altura e, principalmente, de perder o solo firme sob os pés, de voar...

Certo estava Ítalo Calvino quando afirmava que a leveza exige uma luta paciente contra nós mesmos e contra a linguagem estabelecida, ou seja, exige uma resistência à zona de conforto, um esforço em tornar-se criador (de si e do simbólico) e não somente consumidor do que pronto está pelo mundo. Exige ainda uma atitude peregrina do olhar, não se deixando prender pelo desânimo, pela leitura única (certa) sobre a realidade, mas deslocando-se, visitando outras leituras possíveis sobre as palavras e as coisas e as pessoas. Calvino até cita Paul Valéry: “É preciso ser leve como o pássaro, e não como a pluma”, pois o voo tem direção, é resultado de uma escolha planejada, é autônomo e seguro.

O peso, assim, não deve ser evitado. Responsabilidade é uma virtude e não se trata de abandoná-la, mas de desenvolvê-la com alegria e segurança; vínculos são necessários, mas devem promover as pessoas, não aprisioná-las ou paralisá-las. Cada encontro é um presente, cada aprendizado é um legado e esse patrimônio somente se sustenta com o movimento, com mais trocas, com o doar-se e o abrir-se para receber o novo.
Foram essas as lições que aprendi no melhor agosto de minha vida. Vale contar ainda que elas foram reforçadas com a mesa de título Infância e juventude no IX Enecult, em setembro, na cidade de Salvador. Educadores artistas de vários pontos do mundo se reuniram para testemunhar a importância desse deslocamento e resistência ao peso do instituído, destacando que a leveza é parte do e é o próprio método do processo educativo.

Assim ensinou Pinduca: “os muros das escolas não são feitos de concreto, mas de ideias, que são o material mais resistente que existe. Ele só pode ser vencido pela busca pela beleza”.

E completou Lydia Hortélio: quando as crianças sentiram que a atividade estava para acabar, pedi que limpassem o trecho do parque onde fizemos os desenhos com folhas e sementes no chão, mas que deixassem intacta a maior das mandalas, porque era a mais bonita. Em pouco tempo, vi que alguns meninos estavam correndo em cima dela e fiquei muito brava: mas olha o que vocês fizeram! Acho que vivi para ouvir a resposta deles: “tem problema não, prof...” E ela concluiu assim “Não adianta tentar prender a felicidade, senão ela escapa! Pra quê tentar aprisionar o momento, a alegria? Tudo é aprendizado...”

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