segunda-feira, 31 de março de 2014

O dia em que o Curupira me pegou

Certa tarde de terça-feira, me peguei levemente atrasada para a aula. Corri para o ponto de ônibus, ainda em tempo de chegar pontualmente na universidade. Enquanto procurava pelo cartão de passagens na bolsa, vi dois ônibus se aproximarem e, no de trás, o letreiro digital mostrava “via Urbis”. Corri e entrei no bendito, julgando ser a linha UESB que dá uma voltinha a mais pela Urbis.

Mas o caminho que o ônibus seguiu não era aquele conhecido, há seis meses familiar. Notei que a rota estava diferente, mas relaxei. Estava certa de que aquele ônibus, em algum momento, chegaria à Uesb. Passei por ruas nunca antes visitadas e suspirei pedindo paciência a Deus quando percebi que entraríamos no bairro Nova Cidade. Então perguntei ao cobrador a que horas, mais ou menos, chegaríamos à Uesb. Ele gargalhou e disse: daqui a mais ou menos uma hora a gente volta ao centro, que é onde você pode pegar outro ônibus pra lá. Esse aqui é Nova Cidade mesmo. E não tem nenhuma linha daqui que te leve pra Uesb, não. Nem adianta descer por aqui... Acho que você se confundiu com o ônibus que vinha na nossa frente e acabou na falta de sorte...

Respirei fundo, consultei as horas e concluí que não tinha mais jeito de eu chegar no horário mesmo. A vista do alto do Nova Cidade era linda, pelo menos... Que nada, o ônibus prosseguiu por caminhos que nem o asfalto alcançou, entrou em condomínios populares para onde o cobrador levava encomendas e prosseguiu por ruas de terra vermelha onde só se via poeira, cercas e sacolas plásticas. Nada mais. Mas o que me chocava não era só a falta de infraestrutura, era o fato daquela parcela da população estar “biopoliticamente” apartada do conhecimento de nível superior. Foucault estava certo.

De volta ao centro, fiquei bem atenta ao letreiro dos ônibus e só tomei outra condução depois de me certificar das letras garrafais “UESB” no itinerário. Só que era UESB via Nova Cidade. E assim, lá fui eu mais uma vez até a colina da vista bonita da cidade, a pensar: fui pega pelo Curupira, só pode! Duas vezes pra esse lado da cidade depois de seis meses em Conquista, não tem outra explicação.

Para quem não sabe, o Curupira é um encantado do folclore brasileiro que se mostra na forma de um anão ruivo que tem os pés voltados para trás. Sua especialidade é fazer os caçadores perderem o caminho, emitindo falsos sinais para as pessoas perderem o rumo certo. Há quem diga que os pés ao contrário servem para deixar pegadas no sentido oposto ao que ele segue, enganando direitinho quem queira se valer da experiência de quem foi na frente em uma trilha desconhecida. Se você riu, saiba ser elementar, para mim e para meu caro Shakespeare, que “Existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.


Pois naquela tarde, o danado do Curupira me distraiu o pensamento, me mandou sinais falsos e se divertiu com tantos pavores súbitos que passei naquela uma hora e meia de “passeio” de buzu. Ao menos ele foi generoso comigo ao final, quando percebeu ser descoberto, porque mesmo chegando com uma hora e dezoito minutos de atraso, a professora também estava atrasada. Será que ela também foi vítima dele naquele dia?

Nenhum comentário:

Postar um comentário