Certa tarde de terça-feira, me peguei levemente
atrasada para a aula. Corri para o ponto de ônibus, ainda em tempo de chegar
pontualmente na universidade. Enquanto procurava pelo cartão de passagens na
bolsa, vi dois ônibus se aproximarem e, no de trás, o letreiro digital mostrava
“via Urbis”. Corri e entrei no bendito, julgando ser a linha UESB que dá uma
voltinha a mais pela Urbis.
Mas o caminho que o ônibus seguiu não era aquele
conhecido, há seis meses familiar. Notei que a rota estava diferente, mas
relaxei. Estava certa de que aquele ônibus, em algum momento, chegaria à Uesb.
Passei por ruas nunca antes visitadas e suspirei pedindo paciência a Deus
quando percebi que entraríamos no bairro Nova Cidade. Então perguntei ao
cobrador a que horas, mais ou menos, chegaríamos à Uesb. Ele gargalhou e disse:
daqui a mais ou menos uma hora a gente volta ao centro, que é onde você pode
pegar outro ônibus pra lá. Esse aqui é Nova Cidade mesmo. E não tem nenhuma
linha daqui que te leve pra Uesb, não. Nem adianta descer por aqui... Acho que
você se confundiu com o ônibus que vinha na nossa frente e acabou na falta de
sorte...
Respirei fundo, consultei as horas e concluí que
não tinha mais jeito de eu chegar no horário mesmo. A vista do alto do Nova
Cidade era linda, pelo menos... Que nada, o ônibus prosseguiu por caminhos que
nem o asfalto alcançou, entrou em condomínios populares para onde o cobrador
levava encomendas e prosseguiu por ruas de terra vermelha onde só se via poeira,
cercas e sacolas plásticas. Nada mais. Mas o que me chocava não era só a falta
de infraestrutura, era o fato daquela parcela da população estar “biopoliticamente”
apartada do conhecimento de nível superior. Foucault estava certo.
De volta ao centro, fiquei bem atenta ao letreiro
dos ônibus e só tomei outra condução depois de me certificar das letras
garrafais “UESB” no itinerário. Só que era UESB via Nova Cidade. E assim, lá
fui eu mais uma vez até a colina da vista bonita da cidade, a pensar: fui pega
pelo Curupira, só pode! Duas vezes pra esse lado da cidade depois de seis meses
em Conquista, não tem outra explicação.
Para quem não sabe, o Curupira é um encantado do
folclore brasileiro que se mostra na forma de um anão ruivo que tem os pés
voltados para trás. Sua especialidade é fazer os caçadores perderem o caminho,
emitindo falsos sinais para as pessoas perderem o rumo certo. Há quem diga que
os pés ao contrário servem para deixar pegadas no sentido oposto ao que ele
segue, enganando direitinho quem queira se valer da experiência de quem foi na
frente em uma trilha desconhecida. Se você riu, saiba ser elementar, para mim e
para meu caro Shakespeare, que “Existem mais coisas entre o céu
e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.
Pois naquela tarde, o danado do Curupira me
distraiu o pensamento, me mandou sinais falsos e se divertiu com tantos pavores
súbitos que passei naquela uma hora e meia de “passeio” de buzu. Ao menos ele
foi generoso comigo ao final, quando percebeu ser descoberto, porque mesmo
chegando com uma hora e dezoito minutos de atraso, a professora também estava atrasada.
Será que ela também foi vítima dele naquele dia?
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